Se hoje quando querem uma casa de campo as pessoas vão para regiões do entorno de São Paulo, como Atibaia e Mogi das Cruzes, já houve um tempo que o Tatuapé era o lugar em que alguns se refugiavam em busca de tranquilidade. Havia as chácaras mais comerciais, que ajudavam a abastecer a cidade de mantimentos, mas também aquelas de veraneio. 

E uma delas era a Chácara Tatuapé, pertencente ao Conde Francesco Matarazzo, um dos industriais mais famosos da cidade. No auge da sua carreira, em 1927, ele comprou um terreno de 250 mil m2 nas margens do Rio Tietê e o transformou na chácara da família. 

O local tinha uma mansão assobradada, casa do caseiro, garagem, escritório, depósito, porto, estufa, pomar, pérgolas, bosque, floricultura, quadra de tênis, hípica com campos de obstáculo, cocheiras, lago, áreas com capins diversos, pomares frutíferos, além de diversos animais como búfalos, perus da toscana, cabras da patagônia, cavalos, vacas, entre outros.

Não à toa despertava a curiosidade dos moradores do bairro. Os funcionários da Tinturaria e Estamparia Fernandes, que ficava na Rua Tuiuti, bem em frente à chácara, costumavam observar pelos janelões do piso superior a movimentação por lá. As crianças do bairro gostavam de subir no muro para espiar as criações de cavalos, búfalos, pôneis e vacas.

Matarazzo desfrutou da propriedade por 10 anos, já que morreu em 1937, aos 83 anos e ostentando a condição de homem mais rico do Brasil. Na época, seu empreendimento, as Indústrias Reunidas Fábricas Matarazzo, possuía 365 fábricas no país. 

A chácara recebia muitas personalidades da cidade. Uma delas foi o jornalista Assis Chateaubriand, que visitou o local em 1934. Olha o que ele escreveu sobre a visita em uma edição da Revista O Cruzeiro.

“O velho fez questão de mostrar toda a bicharada mais cara à sua sensibilidade. Carpas que ele mesmo alimentou; cabras e cabritinhos recém-nascidos; perus da Toscana, três dos quais com problemas de saúde, o que levou o dono a fazer recomendações ao veterinário; búfalos mansos, que ele tomava pelos cornos, como companheiros de sua velhice ativa; burricos da Sardenha; macacos; lontras, veados”. Chateau falou, também, sobre a visita à crèmerie da chácara. “Elle se occupa da fabricação de queijos com leite de bufalo (sic), o qual é riquíssimo em princípios nutritivos. Fez-me provar um creme antehontem à noite, ao jantar em sua casa, de leite de bufalo (sic), este creme, posso dizer-lhes é de excelente sabor”.

TERRENO QUASE VIROU PRÉDIO EM VEZ DE PARQUE

Pouco mais de 10 anos depois da morte de Matarazzo, tudo indica que uma parte do terreno ocupado pela chácara foi vendido. A Philco, por exemplo, se instalou por ali em 1952 na parte que seria os fundos da chácara (Rua Santa Virgínia e Ururaí)

Já no final da década de 1960, os herdeiros venderam outra parte da chácara para a Cooperativa Central de Laticínios do Estado de S. Paulo (Leite Paulista), que pretendia construir uma usina de beneficiamento de leite no local. O projeto, porém, não foi aprovado pela prefeitura. Essa área é justamente onde, hoje, está o parque do piqueri: um espaço de 97 mil m².

O espaço foi declarado de utilidade pública em 1971, o que é um primeiro passo antes da desapropriação. Fechado e sem uso porque estava congelado pela administração municipal, o terreno foi alvo de muitas depredações, principalmente queimadas, que acabaram por destruir uma parte da vegetação original.

Em 1974, outra polêmica começou. O então prefeito Miguel Colassuono descongelou áreas verdes da cidade, inclusive a Chácara do Tatuapé, e começou-se uma especulação imobiliária. Reportagens da época falam sobre o projeto de construção de um conjunto comercial e residencial no local. Seria um edifício de 25 andares com 8 apartamentos por andar. Havia uma restrição pela qual a construção não deveria ocupar mais de 25% da área e não poderia derrubar mais de 10% da vegetação. Moradores do local e políticos ligados ao bairro não aceitaram essa ideia e questionaram a prefeitura. Em 1975, o prefeito eleito Olavo Setúbal manteve a área congelada e, em 1976, o local foi desapropriado. 

O parque foi inaugurado em abril de 1978 com a bandeira de ser uma das poucas áreas verdes na Zona Leste de São Paulo e um local fundamental para o lazer de um bairro operário. Na época, o Tatuapé possuía grandes fábricas (mais de 200 indústrias passaram pelo bairro) e tinha um dos mais baixos índices de áreas verdes da cidade.

ONDE A HISTÓRIA AINDA SE FAZ PRESENTE

Desde 2017, o parque do Piqueri é tombado pelo Conpresp. Entre as justificativas para o tombamento está, justamente, o fato dele estar no local onde ficava a casa de veraneio da família Matarazzo e de haver no local remanescentes daquela época. 

Um destes remanescentes é a casa onde funciona a administração, logo na entrada. Aquele imóvel era a residência do caseiro da chácara, o italiano Saulo Carpinelli. 

Já a mansão da família Matarazzo foi demolida. Ao observar fotos de satélite, percebemos que ela ficava exatamente onde hoje fica o ponto de leitura. Da entrada, se chegava até ela por uma alameda arborizada com Sibipirunas. É bem possível que as árvores desta espécie que estão no parque sejam daquela época, já que é uma planta que costuma viver centenas de anos. 

Uma das marcas mais interessantes do passado é um paredão de tijolos no fundo do parque. Aquilo é remanescente de um ancoradouro de barcos que fazia parte da chácara porque, naquela época, o Rio Tietê ainda não era retificado e adentrava na propriedade. A retificação daquele trecho aconteceu em 1950. 

Para quem utiliza as quadras do parque, vale saber que foram construídas onde antes funcionou um porto de areia que foi aterrado. 

Como se vê, a história ainda se faz presente ali naquele espaço verde e merecia até ser sinalizada para que o público do parque pudesse conhecê-la. 

Espero que este texto te ajude a olhar o parque com outros olhos da próxima vez que passar por lá.

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