Diariamente, cerca de mil crianças entre 4 e 14 anos, vindas principalmente do extremo Leste da cidade e de municípios da Grande São Paulo, desembarcam no número 1086 da Rua Serra de Bragança, onde há 100 anos funciona o Lar Sírio Pró-Infância. 

Bem no meio de um bairro de classe média alta, cheio de escolas particulares e bons apartamentos, o Lar Sírio oferece um atendimento de excelência a quem mais precisa: crianças e jovens em alta vulnerabilidade socioeconômica. 

Uma vez matriculadas, essas crianças frequentam o Lar Sírio no contraturno escolar, recebem refeições completas e têm acesso a uma grade de atividades socioeducacionais que envolvem música, artes, esportes, cidadania, civilidade, nutrição, meio-ambiente, entre outras.

Muitas delas seguem na instituição até o início da vida adulta, já que o Lar Sírio possui convênios com o Sesi, Senai e Senac e oferece atendimento e cursos profissionalizantes para jovens de 15 a 18 anos. Essas aulas também acontecem no terreno da Rua Serra de Bragança. Ali, o Lar Sírio cedeu o espaço para estas instituições que, como contrapartida, precisam atender prioritariamente e gratuitamente os jovens do Lar Sírio. Havendo vagas remanescentes, são abertas para pessoas de fora.  

DE OLHO NO FUTURO SEM DEIXAR DE OLHAR PARA O PASSADO

A ideia é realmente oferecer oportunidade de formação, aprendizagem e profissionalização para que essas crianças e jovens tenham perspectiva de um futuro melhor, o que tem muito a ver com a história de um século do Lar Sírio, que começa com a imigação árabe para o Brasil em meados do século 19 e início do século 20. 

Uma vez aqui, esses imigrantes buscaram se unir em grupos que preservassem suas culturas. Um desses grupos foi a Mocidade Homciense, que, a partir de 1908, reuniu imigrantes vindos da cidade de Homs, na Síria. 

Em 1923, esse grupo decidiu fundar o Orphanato Syrio para atender a 5 órfãos da comunidade. Quatro deles já estavam sendo atendidos pela Fundação Maria Cooper, entidade mantida por religiosos norte americanos. Quando o quinto chegou, surgiu a ideia de ter um orfanato próprio, iniciativa que tem muito a ver com a cultura síria de manter laços com quem é da mesma terra.

Para ter esse orfanato, os jovens da mocidade Homciense foram buscar um terreno que fosse mais barato e chegaram ao Tatuapé, naquela época ainda dominado por chácaras. 

Mas o bairro não era um ilustre desconhecido da comunidade síria. Por volta de 1912, o comerciante Assad Abdalla já havia loteado uma área do bairro, onde hoje fica a Rua Síria. Foi ele, inclusive, que vendeu o terreno onde hoje fica o Parque São Jorge para o Corinthians.

O local onde está o Lar Sírio era uma fazenda produtiva. Em um primeiro momento, metade do terreno foi comprado (15 mil m²) por vários membros da coletividade síria. Em 1945 foi feita a compra dos últimos 10 mil m², fechando os 25 mil m² entre as ruas Cantagalo, Apucarana, Serra de Bragança e Itapura. 

O Lar Sírio fica em um dos quarteirões mais nobres do bairro

O objetivo inicial do Orphanato Syrio era dar abrigo às crianças desamparadas, vesti-las, educá-las e prepará-las para um futuro melhor, algo muito parecido com os objetivos atuais, mesmo a instituição não atendendo mais como abrigo desde 2015. 

“Nossa diretoria tem uma filosofia de oferecer o melhor para que os mais vulneráveis cresçam com o melhor e entendam que é possível almejar mais para a vida deles”, explica Anderson Bueno, diretor de comunicação do Lar Sírio.

Com um terreno tão grande em mãos, a coletividade síria se uniu para colocar de pé a estrutura que até hoje é usada pelo Lar Sírio, embora com reformas e modernizações. 

As casas que ficam dentro do terreno e são usadas nas atividades diárias com as crianças foram construídas com a ajuda da comunidade. 

Em 1926, por exemplo, foi construído o edifício Bichara Issa Moherdaui, atual casa onde ficam os brinquedos para as crianças, uma doação do próprio Bichara. Já em 1934 foi construído o Pavilhão Miguel Mahfuz, onde funcionava o dormitório dos meninos, uma doação de Elias, Jorge e Nassib Mahfuz. E assim aconteceu com todas as casas que fizeram e fazem parte do que é o Lar Sírio hoje. 

Edifício onde ficam os brinquedos das crianças existe desde 1926

ATENDIMENTOS SÓ VÃO AUMENTAR SE QUALIDADE PUDER SER MANTIDA

Hoje, com cerca de 100 funcionários e mil crianças atendidas, o Lar Sírio segue sendo dirigido pelos descendentes dos seus fundadores. 

“As famílias continuam mantendo o legado de administração do Lar Sírio atuando de forma voluntária como diretores Eles se reúnem uma vez por semana para avaliar e tomar as deciões”, diz Anderson.

Claro que em 100 anos foram necessárias reformas, adaptações e novas construções. Porém, segue a tradição da comunidade de ajudar. A reforma da biblioteca em 2009, por exemplo, foi uma doação de Suad Orfali Bonduki, enquanto a reforma da cozinha e do refeitório, em 2011, foi doação de Antônio João Abdalla Filho e Dolly Chohfi Abdalla.

Para manter essa estrutura e, principalmente, os atendimentos, o Lar Sírio conta com algumas fontes de renda. A principal delas é o aluguel de imóveis no entorno, que correspondem a cerca de 70% da receita. O laboratório Delboni, por exemplo, é um dos locatários. Os outros 30% são divididos entre verbas públicas de editais, emendas parlamentares, recursos do Fundo Municipal da Criança e Adolescente, doações recorrentes do programa AFETO (Apadrinhamento Financeiro Econômico Traz Oportunidades) e arrecadação do programa Nota Fiscal Paulista. 

“Nós temos capacidade para atender 3 mil pessoas. Não atendemos por conta de captação de recursos. Temos uma estrutura muito boa, mas para mantê-la e ampliá-la precisamos aumentar a captação de recursos, parceiros e voluntários. A nossa diretoria prefere manter um número reduzido de crianças e atender com alta qualidade do que colocar 3 mil e cair a qualidade do atendimento”, explica Anderson. 

VOLUNTARIADO
O Lar Sírio possui um programa de voluntariado. Quem se interessar pode se inscrever pelo site. Uma vez por semestre acontece um encontro de apresentação do programa. Os interessados passam por avaliação psicológica, necessária para quem vai lidar com crianças em situação dealta vulnerabilidade. 

Dentro do terreno do Lar Sírio fica a Igreja São Jorge, uma dação de Elias Dib Schwery. O local não possui missas e nem é aberto ao público, mas no passado recebeu eventos e casamentos. Ele se parece muito com a catedral Metropolitana Ortodoxa, localizada no Paraíso, mas não se trata de uma réplica, já que foi construída antes.

Como as crianças chegam ao Lar Sírio

A grande maioria acessa o Lar Sírio porque seus pais ou responsáveis procuram a instituição. Para isso, é preciso estar inscrito no CAD Único (registro que permite ao governo saber quem são e como vivem as famílias de baixa renda no Brasil) e passar por uma avaliação Psicossocial. O principal critério de seleção é a vulnerabilidade das crianças e das famílias. Há, também, crianças, encaminhadas pela vara da Infância e da Juventude.

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